Li um artigo muito interessante do polonês Maciej Cegłowski que trata de big data e “a natureza” e quero compartilhar um resumo do que extraí do texto.

O artigo começa tentando imaginar o motivo do Facebook e do Google de defenderem a regulação da privacidade online. A primeira vista isso parece incongruente, já que essas duas empresas são a representação da vigilância online e hoje são totalmente dependentes da extração, tratamento e venda de dados dos usuários.

Ele acredita que o Google e o Facebook quando defendem a criação dessas leis, estão defendendo uma certa interpretação de privacidade, portanto estão se certificando que o conceito de privacidade europeu do século XVIII seja incorporado às leis atuais. Nessa visão antiga, a violação da privacidade é o ato da veiculação pública de certos dados pessoas. Logo, defendendo essa abordagem, as gigantes da tecnologia tem caminho livre para continuar com o mesmo modelo de negócios que utilizam hoje, elas não divulgam publicamente os dados e são as organizações que mais investem protegendo-os contra acessos não autorizados.

A partir desse raciocínio o autor evoca uma história contida no livro Hobbit (1937) em que um dragão guarda uma pilha imensa de ouro. Ele compara o ouro com os dados pessoais dos usuários das plataformas e diz que discutir sobre a segurança dos dados é como discutir sobre a capacidade do dragão de proteger a pilha. No entanto, para Cegłowski essa não é uma boa abordagem, nós não deveríamos estar discutindo as capacidades do dragão (formas de melhorar a segurança dos dados), e sim o seu apetite.

“The question we need to ask is not whether our data is safe, but why there is suddenly so much of it that needs protecting. The problem with the dragon, after all, is not its stockpile stewardship, but its appetite.”

Cegłowski nos lembra dos 3 Cs do Big Data, crumbs, capacities e comunities (migalhas, capacidades e comunidades), mostrando que a análise de dados massiva, como é feita hoje, só se tornou valiosa no momento em que as “migalhas” de dados, que já eram geradas antes, passaram a ser agrupadas e significadas.

Para ele a exploração destas migalhas atualmente é muito parecida com a exploração de um recurso natural. Ainda mais quando pensamos sobre como foi feita durante os séculos passados, pois até o século XX os recursos naturais eram tidos como recursos infinitos e só depois houve uma mudança social que clamou pela regulação da extração. O autor então compara a criação de leis ambientais do início do século passado com as regulações de exploração de dados atuais, para ele em ambos o caso há clamor social pela manutenção de um recurso finito.

Tentando sintetizar o que é o recurso finito da privacidade, Cegłowski cria um termo o “privacidade ambiente”, significando a privacidade inerente dos espaços não vigiados. Ou seja, a privacidade que todo ser humano tem quando está em ambientes não vigiados. A privacidade ambiente no passado era quase absoluta, pois a vigilância era restrita a poucos espaços comuns muito bem definidos. Porém, quando estamos analisando a atualidade, percebemos que locais onde há privacidade ambiente estão cada vez menores e mais esparsos, pois estamos sendo o tempo todo vigiados por dispositivos eletrônicos que tentam arrancar o máximo de informações sobre as nossas vidas a fim de criar um perfil de consumo.

Há um lado perverso nesse excesso de vigilância, as pessoas quando se sentem vigiadas não se expressam livremente, pois tem medo de serem repreendidas por apresentarem um pensamento não hortodoxo ou incompleto. Quando essa repressão se torna constante, ela enfraquece a formulação de ideias novas, as pessoas precisam de um espaço seguro para criar, um espaço livre de julgamentos onde ela possa formular suas ideias antes de apresentá-las ao mundo. A ausência desse espaço atrapalha inclusive a democracia, na medida em que engessa o debate.

Para concluir o autor demonstra que a necessidade que levou a sociedade a criar leis ambientais para proteger a espécie humana da escassez de recursos, já está se manifestando com relação a privacidade ambiente e essa necessidade de privacidade deve ser escutada, pois ela é essencial para assegurar a democracia e o pluralismo de ideias.