Durante o início deste ano, o mundo deu um grande passo em direção à digitalização das atividades humanas. O que para muitos era um futuro distante, passou a ser a realidade de bilhões de pessoas. A pandemia provocada pelo vírus Covid-19 forçou uma mudança radical na forma que a humanidade se relaciona. A sociedade se dividiu em três partes, a primeira passou a trabalhar ou estudar em casa por um período que não sabemos ao certo quanto tempo durará; a segunda luta nas ruas para manter a logística mundial funcionando e também curar os doentes; e terceira, a grande massa, não sabe como irá trabalhar ou estudar sem poder ir às ruas. A Internet ganhou ainda mais importância na vida das pessoas, até aqueles que não têm acesso passaram a depender mais dela. Hoje, mais do que nunca, a infraestrutura da Internet precisa estar preparada para essa mudança. Ela precisa ser uma ferramenta confiável, estável e ampla, pois as modalidades de trabalho offline estão muito limitadas e não há sinais de que isso irá mudar.

Domicílios com Internet

De acordo com a pesquisa TIC Domicílios de 2018, sabemos que 33% dos domicílios brasileiros não têm equipamentos com acesso à Internet, o que deixa um terço da sociedade muito isolada neste período de quarentena. Mesmo dentre os domicílios que tem acesso à Internet, uma porção expressiva, de 27% (18% do total), acessa unicamente via telefonia móvel. Essa informação se torna dramática quando somada ao fato de que 80% dos brasileiros estouram o limite de dados dos planos de internet móvel, de acordo com pesquisa de 2017, da consultoria Delloite. Tal realidade é muito grave, pois significa que uma grande parte da sociedade perde o acesso durante o mês e, estando isolada em casa, não consegue acessar à Internet. Medidas urgentes que busquem universalizar o acesso à Internet no Brasil precisam ser desenvolvidas, já que parte do sucesso do distanciamento social e da recuperação pós-crise depende da capacidade dos cidadãos de realizarem parte das suas atividades online, seja para comunicação, entretenimento, busca por informação, trabalho ou estudo.

Domicílios com Internet organizados por tipo de conexão

Desde o início do surto do coronavírus, muito se fala sobre a necessidade de assumirmos uma postura solidária. Até porque o isolamento favorece dois sentimentos conflitantes, um de privação compartilhada, de estarmos no mesmo barco; outro do distanciamento, reduzindo o contato interpessoal. Não podemos permitir que o distanciamento nos torne menos empáticos. Se você está lendo este texto provavelmente você não está no grupo mais afetado pela pandemia. Pelo contrário, nós somos o grupo que tem a capacidade de construir, junto com o poder público, as empresas e a sociedade civil, um espaço mais solidário. Pensando no espaço da Governança da Internet, podemos desenhar acordos de cooperação e políticas públicas que busquem, da melhor forma possível, facilitar os próximos anos para a sociedade, que cada vez mais é dependente da Internet.

Precisamos construir políticas efetivas para a universalização do acesso, pois só ela permitirá a digitalização da sociedade de forma igualitária. Não podemos permitir em nossa sociedade que o caminho para a resolução dos problemas exclua um terço da população que não tem acesso à Internet em casa e mantenha em uma situação precária 18% dela. Superar os efeitos da pandemia pode gerar como saldo positivo uma maior informatização da sociedade, mas também agravar a exclusão de mais da metade da população brasileira que tem acesso restrito à Internet.